Rio Doce: inovar é fortalecer as instituições já existentes


5 jan/2016

Após o choque inicial pela dramática perda de vidas e o despejo da lama sobre o rio Doce, o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco que completa hoje (5/1/2016) dois meses, em Mariana, Minas Gerais, despertou na sociedade profundas reflexões a respeito do papel fundamental que todos os setores devem exercer em relação à preservação do meio ambiente, especialmente de nossas bacias hidrográficas. É indiscutível que tal fato representou um divisor de águas no posicionamento de cada um: sociedade civil, governos, iniciativa privada e organizações do terceiro setor.

Trata-se de uma tragédia sem precedentes em nosso país e que afetou, de forma dramática, todo o ecossistema associado à Bacia Hidrográfica do Rio Doce, cujos impactos ainda não são possíveis de serem dimensionados e vislumbrados com exatidão. Tal evento trará consequências que farão parte da vida dos habitantes dessa região, localizada à jusante das margens do Rio Doce e seus afluentes, por um longo período.  Porém, é importante contextualizarmos o impacto deste episódio em relação ao estado de conservação do Rio Doce: como era a situação do Rio Doce antes e como ficou depois? Esse evento expôs um cenário para um Brasil que, até então, pouco conhecia sobre o “Doce”, sua importância, abrangência e reais condições. É fundamental ressaltar que ele já existia e que sua situação já era crítica antes dessa tragédia.

Historicamente, a bacia hidrográfica sofre com os impactos da exploração humana e com o crescimento econômico desenfreado e, há três anos, vem batendo todos os recordes históricos de seca. A necessidade de um programa efetivo que restaure a integridade do solo, que recupere a cobertura vegetal nativa, que fomente o uso racional da água e que promova práticas agrícolas sustentáveis, definitivamente, são demandas antigas dos Comitês de Bacias. A imagem mais impactante do rompimento da barragem da Samarco é a quantidade de sedimento lançado no curso do rio. A produção de sedimento, porém, já  vem deteriorando a qualidade e quantidade de água há vários anos. E esse cenário preocupante vem sendo vivenciado há décadas, não somente no Rio Doce, mas em todas as bacias hidrográficas do território brasileiro, principalmente no Sudeste.

Em termos de institucionalidade participativa, a Bacia Hidrográfica do Rio Doce possui uma ampla e efetiva rede voluntária que envolve cerca de 600 pessoas! Representantes da sociedade civil, governos e usuários de água, participam da gestão da bacia por meio do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH-Doce) e dos Comitês de seus afluentes. Os Comitês estão legitimados  pela nossa Lei das Águas (Lei n° 9.433 / 97) e atuam desde 2002, quando o Comitê de Integração foi criado.
Desde 2010, esse “Parlamento das Águas” vem trabalhando para implementar o Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (PIRH) e seus respectivos Planos de Ações. O processo de construção do Plano de Bacias foi amplamente participativo e contou com o apoio dos órgãos gestores de recursos hídricos da união e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O resultado foi um planejamento sofisticado e abrangente, criteriosamente concebido e composto por diagnóstico, prognóstico e programas que visam garantir um cenário favorável para a bacia em 2030.

Desde 2011, os Comitês atuam por meio de sua Agência de Bacias (IBIO), para consolidar o PIRH como um plano institucionalizado e legítimo, que disponibiliza uma série de instrumentos de gerenciamento já aplicados e que vêm sendo implementados por meio do comprometimento de todos os órgãos envolvidos no CBH-Doce.

Quando se deu a ruptura da barragem em Mariana, houve uma rápida integração entre o Comitê e os órgãos públicos para atuar emergencialmente. Após o período inicial, entretanto, o dimensionamento do desastre deixou clara a necessidade de um eixo sólido de coordenação das ações de curto, médio e longo prazos. Surpreendentemente, o poder executivo deu indícios de buscar modelos inovadores de governança para a bacia. Ora, inovar, neste sentido, seria fortalecer a institucionalidade já estabelecida pela Lei 9.433 que define o Comitê de Bacias e sua Agência de Águas como ferramentas legítimas para a gestão do território.
Nesse sentido, o CBH-Doce vem apresentar suas credenciais e demandar que o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos seja fortalecido e legitimado como instituição gestora da bacia do Rio Doce.

 

Leonardo  Deptulski

Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH-Doce)